Urias Sérgio

Vivo da esperança de ver o soerguimento da ética e da razão e isso dá-me forças de continuar lutando

Textos

UM GIGANTE NA CADEIRA DE RODAS
                                                                                            



      UM GIGANTE NA CADEIRA DE RODAS

O Distrito Industrial de Manaus – o “gigante” a quem me refiro – nasceu como conseqüência do surgimento da Zona Franca de Manaus, nos “idos” de 1967, por conta da iniciativa e criatividade do Presidente Castelo Branco, trazendo para a Amazônia a grande expressividade da industria internacional, capitaneada pelo poderio econômico e tecnologia japonesa, na época. Com essa providência, já demonstrando sua preocupação com a preservação da Amazônia, fortaleceu a economia regional, criando atratividade jamais vista na região, criando milhares de postos de trabalho, contendo o crescimento da interiorização.
Como havia reservas e restrições de mercado nos outros Estados para importação de produtos acabados dos segmentos aqui instalados, as industrias do pólo eletrônico, duas rodas e relojoeiro – na época os segmentos mais em evidência – se serviram à vontade do nosso mercado interno e da voracidade de nossos consumidores, carentes por equipamentos de boa qualidade, em razão da sofisticação tecnológica que representavam esses produtos. Assim, as industrias aqui instaladas se fortaleceram, com resultados fantásticos para a região, permitindo também na outra ponta, preservar a intocabilidade da floresta amazônica. Todos queriam vir trabalhar na cidade de Manaus e os executivos de primeiro e segundo escalão, mão-de-obra especializada, era trazida dos grandes centros como São Paulo, Rio e Belo Horizonte.
Com os benefícios da isenção dos impostos, também o comércio de Manaus se agigantou e os compradores chegavam de todo o território nacional para conhecer a famosa Zona Franca de Manaus, em busca de produtos como videocassetes, máquinas fotográficas, calculadoras, etc., equipamentos esses importados do Japão através do Canadá ou diretamente.
Um modelo vencedor, seja para a indústria ou para o comércio e com todo esse sucesso, o segmento de serviços também se fortaleceu. A cidade cresceu e se transformou em uma das maiores metrópoles do Brasil.

LOGÍSTICA COMPLICADA
A logística de transportes para o Amazonas porém sempre foi muito complicada. Esses estímulos fiscais para a região foram necessários em razão da localização de Manaus, no meio da floresta amazônica. Os produtos chegam do exterior em navios cargueiros, aportando em Belém do Pará – onde são contratados “práticos” para conduzir os navios até Manaus, subindo pelo rio Amazonas, com mais cinco dias de viagem, como é feito até hoje, já que não existe “carta náutica”, obrigando as companhias de navegação a se submeterem à essa exigência, pagando a esses “práticos, no percurso Belém x Manaus x Belém a importância de US$ 20.000,00. Os custos de frete marítimo para Manaus, além de extremamente altos – em razão de não haver “refluxo”  de cargas para os países de origem – ainda tem esse elevado encargo.
No pólo industrial de Manaus, os produtos industrializados e montados, seguem para os grandes centros, principalmente para São Paulo, por via rodoviária, descendo o rio Amazonas em balsas até Belém do Pará (quatro dias) ou subindo o rio Madeira (oito a doze dias) até Porto Velho em Rondônia, e daí, através de rodovias até seu destino final. Os produtos menores e de maior valor agregado, como celulares e micro-câmeras, normalmente são enviados via aérea.
Tivemos então, em razão de nossas proteções alfandegárias, durante as décadas de setenta e oitenta um crescimento fantástico, com o Pólo Industrial se diversificando, alicerçando e verticalizando as fábricas de  componentes: embalagens, estamparia, injeção plástica, EPS (isopor); segmentado-o dos setores de montagem e acabamento, trazendo da Europa e Japão o que havia de mais moderno em gestão industrial e manufatura, controle de processos, logística de armazenagem e transportes, implantação e certificação de ISO através da garantia de qualidade, através das indústrias que aqui se instalaram.
À Suframa, órgão do Governo Federal responsável pelo controle e administração do Pólo Industrial de Manaus “PIM”, coube coordenar a destinação de áreas subsidiadas para instalação das unidades fabris das empresas, e toda a formalização e aplicabilidade das normas e procedimentos emanados do Governo Federal, além de  estabelecer “Processos Produtivos Básicos” para garantia da escala, da produção das empresas do Pólo de Componentes e dos outros segmentos, e respeito aos produtos das indústrias instaladas nos outros estados. O Distrito Industrial de Manaus, em razão de estar em área alfandegada, passou a ter isenções de impostos Federais e Estaduais, na medida da classificação de cada empresa pela verticalização de seu processo produtivo e dos produtos a serem produzidos, desde que não houvesse similaridade nacional, além de isenção do Imposto de Renda. Desta forma, os componentes mais elaborados, de tecnologia mais avançada, inclusive, cujas patentes não permitiam que fossem produzidos no Brasil, teriam entrada garantida em Manaus com todas as isenções pertinentes. Assim, uma fábrica de micro-ondas, por exemplo, teria o direito de importar vários componentes como o magnetron, que gera as microondas, algumas partes plásticas e outras estampadas e o comando eletrônico, formando um “kit” de importação, vendidos às montadoras em Manaus pela detentora da tecnologia da marca, na época como por exemplo a Panasonic, Sanyo, etc., ficando outros componentes como a cavidade do forno, e outras partes de injeção plástica e estamparia para serem fabricados e fornecidos por empresas de componentes aqui instaladas. Mais recentemente, começaram a chegar as empresas coreanas e chinesas e tomaram conta de parte do mercado de vários segmentos em razão de seus baixos custos de produção.
Criou-se assim um certo “equilíbrio” entre as empresas montadoras, dos mais variados segmentos como: Eletroeletrônico - Televisores, Radios, gravadores, Vídeocassetes, Micro-ondas; Fotográfico - Máquinas Fotográficas, Filmadoras, Fax, Copiadoras;  - Máquinas calculadoras; - Canetas e Barbeadores - Fitas para Gravadores e Vídeocassetes e acessórios para Computadores; - Fitas para Máquinas de Escrever Elétricas; - Telefones; - Relógios de Pulso e de Parede; - Bicicletas; - Motocicletas; - Condicionadores de Ar, - Informática (microcomputadores) e mais recentemente, CDs, DVDs, Pen drives, Celulares e uma infinidade de outros produtos, sempre nessa linha de equipamentos de alta tecnologia eletroeletrônica, - com o segmento intermediário, de componentes, como: Injeção Plástica (peças plásticas injetadas; Placas de Circuito Impresso; Metalúrgico (estamparia); EPS (Isopor) e Embalagens de Papelão Ondulado. Instalaram-se aqui então várias fabricas de embalagens, PCE, Sovel, Rigesa e Orsa – classificação por nível de verticalização – com a instalação de equipamentos  para fabricação de papéis, a partir de reciclagem e mesmo mistura de celulose, máquinas de papel, onduladeiras, impressoras extremamente modernas, de alta produtividade.

No início da década de 90 entretanto a situação começou a mudar. A abertura do mercado para todo o país, feita pelo então Presidente Collor, com redução das alíquotas do Imposto de Importação para a “Linha Marron” – segmento eletroeletrônico – reduziu as vantagens comparativas da Zona Franca de Manaus, o que veio a combalir o comercio local, com sérias conseqüências para o mercado regional, com reflexos também nos produtos eletro-portáteis aqui fabricados, como nos casos de rádios, calculadoras e etc.
Até meados do ano passado, enquanto o segmento de Eletroeletrônicos, responsável por quase 42% do faturamento do Distrito Industrial,  continuava fabricando os televisores de tubo de imagem de telas grandes em alta escala, o equilíbrio entre os segmentos das montadoras e componentes foi mantido. Entretanto, a tendência tecnológica desses segmentos aqui existentes, pelo alto valor agregado de suas matérias-primas, segue em paralelo com a tendência de racionalização de volumes e materiais empregados, minimização de espaços e componentes. Tal evolução ocorreu na linha dos componentes para gravação, nesta ordem: fitas de vídeocassetes x CDs x DVDs x disquetes x pen-drives e finalmente micro-ships, e agora com os grandes televisores de tubo de imagem x televisores de Plasma e LCD.

Se tomarmos os mercados consumidores dos grandes centros como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte como exemplos, podemos observar que o equilíbrio entre segmentos se dá pela logística de demanda mercadológica, e os comodities são responsáveis pela viabilização da escala das fábricas de produtos intermediários ou seja, papel, embalagens, estamparias, injeção plástica etc. chegando a 95% do volume do consumo dessas fábricas, ficando os produtos eletrônicos, mais sofisticados e de baixa escala de produção e alto valor agregado de matéria-prima com uma pequena fatia do mercado.
Aqui, em Manaus, entretanto é totalmente diferente. Mais de 95% da produção é de produtos sofisticados, de baixa escala de produção e alto valor agregado de matéria-prima e os comodities não chegam a 5% no mix dos segmentos existentes. Nessas condições, com a mudança contínua e a busca incessante da racionalização dos materiais empregados em sua produção, o consumo dos segmentos que representam 95% do consumo dos segmentos intermediários, para 2009, reduziu em quase 50%. A queda de consumo fragilizou os fabricantes de matérias-primas plásticas empregados nas fábricas de injeção plástica; as fábricas de injeção plástica, em razão da saída de linha dos televisores de tubos de imagem de telas grandes, tornaram obsoletas e inviabilizaram a utilização dos equipamentos acima de 800 toneladas. de pressão, responsáveis por mais de 40% de sua capacidade produtiva, sucateando-os e aos moldes, esses caríssimos, sem nenhuma condição de utilização ou adaptação.
O segmento de embalagens também está extremamente comprometido. Em Manaus existem três fábricas de papel, papel higiênico, papelão e embalagens, de processo totalmente verticalizado, duas fábricas de papelão ondulado e caixas de papelão ondulado e mais quatro cartonagens de caixas de papelão ondulado. Este segmento tem capacidade de transformação de 8.000 toneladas/mês de  embalagens. Com as mudanças ocorridas em meados de 2008 por racionalização e agora com os reflexos da crise, o segmento está produzindo menos de 4.000 toneladas. Aqui, como não existem os segmentos de comodities, os equipamentos (impressoras) com capacidade de produzir 20.000 caixas/hora, são programadas para produzir 1.000 caixas em cada produção. Considerando-se que o set-up de cada máquina impressora é de 15 minutos, podemos entender, facilmente, os problemas que o segmento vem enfrentando. Para complicar um pouco mais, insistem as fábricas a sofisticar a impressão das caixas, com chapados e reticulados imensos, como se, além de proteger e transportar o produto, a embalagem fosse responsável também por induzir o consumidor à compra do produto. E com esse nível de dificuldades, em razão do processo de impressão flexográfica – por transferência de tinta por cilindros – aumenta-se o refugo de produção a níveis alarmantes – e, em estando numa região de até 95% de umidade e em razão da impossibilidade de se manter o estoque de papéis e produção em áreas refrigeradas, com umidade controlada,  o tempo e a temperatura do ar têm valor fundamental no processo de manufatura e na qualidade produzida.
As unidades industriais do segmento de embalagens de papelão ondulado e injeção plástica – que tem no alto volume de escala de produção sua expectativa de viabilidade econômica – representam altíssimos investimentos e a manutenção dos  atuais volumes de produção por longo período poderá inviabiliza-las, em razão dos muitos equipamentos obsoletos e dificuldades financeiras para novas aquisições, em razão do redirecionamento do mercado.
Necessário se faz criar estímulos a segmentos outros que possam ajudar a retornar ao equilíbrio necessário à sobrevivência do segmento de embalagens e injeção plástica, sob pena de se ver essas empresas fechando suas portas. Aliás dizem que o Distrito Industrial não irá acabar, mas já acabou para muitas indústrias, como Bosch, Continental, Sharp, Sanyo, Philco, Gradiente, Ericsson, Siemens, Hora do Amazonas, Verbatim, IBM, Olivetti, e inúmeras outras.

AS ARMADILHAS EM FORMA DE MEDIDAS PROVISÓRIAS
Paralelamente, através de medida provisória, em 1993 foi decretado pelo Governo Federal o contigenciamento das empresas do Distrito Industrial de Manaus. A partir dessa providência, as cotas de importação de componentes foram redimensionadas, drasticamente reduzidas, e as indústrias montadoras aqui instaladas foram impedidas, durante certo tempo, de manter o cronograma de verticalização previsto, com sérios prejuízos e perda de competitividade no mercado nacional e também de credibilidade  no mercado internacional, culminando com o encerramento das atividades de várias indústrias no PIM. E após essa medida, outras armadilhas políticas têm sido engendradas, a fim de preservar interesses regionais de outros estados, como no caso da “Lei da Informática” – bomba de efeito retardado que permite a instalação de industrias deste segmento em qualquer outro Estado da Federação – lembrando-se que, em razão de desenvolvimento tecnológico, um televisor hoje, acoplado a um controle remoto, transforma esse produto em “Bem de Informática” com a possibilidade de ter sua produção transferida de Manaus para qualquer outro Estado da Federação, o que seria catastrófico para as industrias aqui instaladas. Agora, nos vemos às voltas com mais uma tentativa contra o PIM. Está se tentando em Brasília, através de uma “PEC” (Proposta de Emenda Constitucional)  a isenção de impostos sobre a produção de CDs e DVDS nacionais, que se aprovado, representará a saída de Manaus de um dos mais importantes segmentos de nossa industria local e drástica redução de mão de obra – aproximadamente 20.000 empregos. Já aprovada na “CCJ” (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados, a proposta está agora na Comissão Especial de Fonogramas e Videofonogramas Musicais da Casa e será objeto de audiência pública, quando também poderá ir a voto o parecer do relator José Otávio Germano (PP-RS) que é favorável.
Também o Processo Produtivo Básico – medida protecionista para manter certo nível de produção do mercado intermediário de componentes, tem sido desprezada. Assim várias indústrias coreanas e chinesas têm trazido inúmeros desses componentes dos paises de origem, o que representa CONTRABANDO e desrespeito às nossas leis, sem que nossos fiscais tomem qualquer providência a respeito, contribuindo para demissões representativas das empresas aqui instaladas que perdem volume de produção em razão dessas importações fraudulentas. Como se não bastasse, acompanhamos no pais inteiro, o contrabando e a pirataria, principalmente de CDs, DVDs e relógios – além de outros inúmeros produtos, tomando conta de nossos mercados. Um abuso, ver as indústrias brasileiras, pagando tributação altíssima por um lado, e o Governo Federal fazendo pouco, ou nenhum caso, com esse contrabando, desrespeitando a quem paga e paga alto, seus impostos.

INDIGNAÇÃO
Sabe-se muito bem aqui,  que, qualquer uma de nossas instituições de controle, seja SUFRAMA, RECEITA FEDERAL, ou SEFAZ, seja com parada por greve, ou qualquer outro motivo, param o comércio e o distrito industrial, o mesmo acontecendo até com a Secretaria da Agricultura em razão de controle de pragas nos paletes e embalagens de madeiras que chegam nos containeres.
Temos apenas duas entradas e duas saídas de Manaus – água e ar – o que nos faz dependentes diretos do funcionamento de todas essas instituições e dos fiscais que nelas trabalham. Os componentes importados viajam de 30 a 45 dias até Manaus. As indústrias, em razão de administração do tempo, trabalham nos sistemas “Kam-bam” e “Just in time”,  a fim de controlar espaço e tempo, necessitam ainda, depois dos produtos prontos, de mais 12 a 15 dias para chegarem ao mercado consumidor, e, por motivos os mais variados e até sem motivo algum, temos visto essas cargas paradas por longo tempo, pagando armazenagem nos portos, sem que ninguém consiga desembaraça-las e com tudo isso, nosso maior concorrente é o contrabando que assola nosso país.
Por outro lado, hoje em dia, o contrabando em Manaus, que antes entrava pelo porto, em sua grande maioria, vem do Paraguai, através de São Paulo, via rodoviária ou aérea, e nas ruas da cidade, são distribuídos impunemente à população, sem que ninguém faça qualquer coisa para impedir sua comercialização.  

RECADO
O modelo Zona Franca de Manaus e o Distrito Industrial são exemplos de desenvolvimento tecnológico e gestão, entretanto, se não houver IMEDIATAMENTE, um esforço conjunto entre nossas empresas, instituições e autoridades, a fim de restabelecer o equilíbrio necessário ao seu funcionamento, teremos sérios problemas futuros.

Urias Sérgio de Freitas



Urias Sérgio
Enviado por Urias Sérgio em 10/04/2009
Alterado em 18/04/2009


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras